Hobsbawm: A América Latina sem a deped~encia dos EUA, só progrediu.
Ao que o PSDB/UDN, nos levaria: A política do beija-mão! A viralatice.
Hobsbawm: ao se afastar dos EUA, a AL alcançou êxitos genuínos
Em entrevista, o historiador Eric Hobsbawm apresenta sua
avaliação as origens, efeitos e desdobramentos da crise mundial. Desde que sua
magnitude se fez sentir, com seus capítulos ambiental, climático, energético,
alimentar e, por fim, econômico, acadêmicos, sociólogos, economistas, políticos
e lideranças sociais procuram entender e explicar suas causas, e analisar e
prever suas conseqüências.
Muitos
têm buscado respostas e soluções apenas no próprio universo econômico. Outros
concluíram que vivemos uma crise civilizatória, e que o capitalismo implodiu
por seus próprios desmandos. Mas ninguém parece ter respostas definitivas sobre
o que nos prepara o futuro.
ssim também Hobsbawm, o maior historiador marxista
da atualidade.
Aos
92 anos, o autor de algumas das mais importantes obras acerca da história
recente da humanidade, como “A Era das Revoluções” (sobre o período de 1789 a
1848), “A Era do Capital” (1848-1875) , “A Era dos Impérios” (1875-1914) e “A
Era dos Extremos – O Breve Século 20”, lançado em 1994, não arrisca previsões
sobre como será o mundo pós-crise.
Nesta
entrevista, concedida por e-mail de Paris, porém, Hobsbawm apresenta suas
opiniões como contribuição ao debate.
De
certezas, apenas a de que, se a humanidade não mudar os rumos da sua
convivência mútua e com o planeta, o futuro nos preserva maus agouros. Cético e
ao mesmo tempo esperançoso, não acredita que uma nova ordem mundial surgirá das
cinzas do pós-crise, mas acha que ainda existem forças capazes de propor novas
formas de organização e cultura políticas e sociais, como o MST.
Revista Sem Terra: O planeta
vive hoje uma crise que abalou as estruturas do capitalismo mundial, atinge
indiscriminadamente atores em nada responsáveis pela sua eclosão, e que talvez
seja um dos mais importantes “feitos” da moderna globalização. Na sua
avaliação, quais foram os fatores e mecanismos que levaram a esta situação?
Eric
Hobsbawm: Nos últimos quarenta anos, a globalização, viabilizada pela extraordinária
revolução nos transportes e, sobretudo, nas comunicações, esteve combinada com
a hegemonia de políticas de Estado neoliberais, favorecendo um mercado global
irrestrito para o capital em busca de lucros.
No setor financeiro, isto ocorreu de forma absoluta,
o que explica porque a crise do desenvolvimento capitalista ocorreu ali.
Apesardo fato de que o capitalismo sempre — e por natureza — opera por meio de
uma sucessão de expansões geradoras de crises, isto criou uma crise maior e
potencialmente ameaçadora para o sistema, comparável à Grande Depressão que se
seguiu a 1929, mesmo que seja cedo para avaliarmos todo o seu impacto.
Um problema maior tem sido que a tendência de declínio das margens de lucro, típico do capitalismo, tem sido particularmente dramática porque os operadores financeiros, acostumados a enormes ganhos com investimentos especulativos em épocas de crescimento econômico, têm buscado mantê-los a níveis insustentáveis, atirando-se em investimentos inseguros e de alto risco, a exemplo dos financiamentos imobiliários subprime” nos EUA. Uma enorme dívida, pelo menos quarenta vezes maior do que a
sua base econômica atual foi assim criada, e o
destino disso era mesmo o colapso.
Revista Sem
Terra: Como resposta à crise econômica, governos e instituições financeiras
estão concentrados em salvar os sistemas bancário e financeiro, opção que tem
sido considerada uma tentativa de cura do próprio vetor causador do mal. No que
deve resultar este movimento?
Eric Hobsbawm: Um sistema de crédito operante é essencial para qualquer país desenvolvido, e a crise atual demonstra que isso não é possível se o sistema bancário deixa de funcionar. Nesse sentido, as medidas nacionais para restaurá-lo são necessárias. Mas o que é preciso também é uma reestruturação do Estado por exemplo, através das nacionalizações, a “desfinanceirização” do sistema e a restauração de uma relação realista entre ativos e passivos econômicos. Isso não pode ser feito simplesmente combinando vastos subsídios para os bancos com uma regulação futura mais restrita.
De
toda forma, a depressão econômica não pode ser resolvida apenas via restauração
do crédito. São essenciais medidas concretas para gerar emprego e renda para a
população, de quem depende, em última instância, a prosperidade da economia
global.
Revista Sem Terra: Antes de se
agudizar o caos econômico, o mundo começou a sofrer uma sucessão de abalos
sociais e ambientais, como a falta global de alimentos, as mudanças climáticas,
a crise energética, as crises humanitárias decorrentes das guerras, entre
outros. Como você avalia estes fatores na perspectiva do paradigma
civilizatório e de desenvolvimento do capitalismo moderno?
Eric
Hobsbawm: Vivemos meio século de um crescimento exponencial da população
global, e os impactos da tecnologia e do crescimento econômico no ambiente
planetário estão colocando em risco o futuro da humanidade, assim como ela
existe hoje.
Este
é o desafio central que enfrentamos no século 21.
Vamos ter que abandonar a velha crença — imposta não apenas pelos capitalistas — em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta. Isto significa que a fórmula da organização econômica mundial não pode ser determinada pelo capitalismo de mercado que, repito, é um sistema impulsionado pelo crescimento ilimitado.
Vamos ter que abandonar a velha crença — imposta não apenas pelos capitalistas — em um futuro de crescimento econômico ilimitado na base da exaustão dos recursos do planeta. Isto significa que a fórmula da organização econômica mundial não pode ser determinada pelo capitalismo de mercado que, repito, é um sistema impulsionado pelo crescimento ilimitado.
Como esta transição ocorrerá ainda não está
claro, mas se não ocorrer, haverá uma catástrofe.
Revista Sem Terra: O
capitalismo tem adquirido, cada vez mais, uma força hegemônica na agricultura
com o crescimento do agronegócio. Muitos defendem que a Reforma Agrária não
cabe mais na agenda mundial. Como vê este debate e a luta pela terra de
movimentos sociais como o MST e a Via Campesina?
Eric
Hobsbawm: A produção agrícola necessária para alimentar os seis bilhões de
seres humanos do planeta pode ser fornecida por uma pequena fração da população
mundial, se compararmos com o que era no passado. Isso levou tanto a um
declínio dramático das populações rurais desde 1950, quanto a uma vasta
migração do campo para as cidades. Também levou a um crescente domínio da
agricultura por parte não tanto do grande agronegócio, mas principalmente de
empreendimentos capitalistas que hoje controlam o mercado desta produção.
Da
mesma forma, têm aumentado os conflitos entre agricultores e iniciativas
empresariais na disputa pela terra para propósitos não agrícolas (indústrias,
mineração, especulação imobiliária, transporte etc.), bem como pela sua posse e
pela exploração dos recursos naturais.
A Reforma Agrária sem duvida não é mais tão importante para a política como foi há 40 anos, pelo menosna América Latina, mas claramente permanece uma questão central em muitos outros países. Na minha opinião, a crise atual reforça a importância da luta de movimentos como o MST, que é mais social do que econômica.
A Reforma Agrária sem duvida não é mais tão importante para a política como foi há 40 anos, pelo menosna América Latina, mas claramente permanece uma questão central em muitos outros países. Na minha opinião, a crise atual reforça a importância da luta de movimentos como o MST, que é mais social do que econômica.
Em
tempos de vacas gordas é muito mais fácil ganhar a vida na cidade. Em tempos de
depressão, a terra, a propriedade familiar e a comunidade garantem a segurança
social e a solidariedade que o capitalismo neoliberal de mercado tão claramente
nega aos migrantes rurais desempregados.
Revista Sem Terra: Na virada do
século, um novo movimento global de resistência social tomou corpo através do
que ficou conhecido como altermundialismo. Surgiu o Fórum Social Mundial, e
grandes manifestações contra a guerra e instituições multilaterais, como a OMC,
o G8 e a ALCA, na América Latina, ganharam as ruas. Na sua avaliação, o que
resultou destes movimentos? E hoje, como vê estas iniciativas?
Eric
Hobsbawm: O movimento global de resistência altermundialista merece o crédito
de duas grandes conquistas: na política, ressuscitou a rejeição sistemática e a
crítica ao capitalismo que os velhos partidos de esquerda deixaram atrofiar.
Também
foi pioneiro na criação de um modo de ação política global sem precedentes, que
superou fronteiras nacionais nas manifestações de Seattle e nas que se
seguiram.
Grosso
modo, logrou formular e mobilizar uma poderosa opinião pública que seriamente
pôs em cheque a ordem mundial neoliberal, mesmo antes da implosão econômica.
Seu programa propositivo, porém, tem sido menos efetivo, em função, talvez, do
grande número de componentes ideologicamente e emocionalmente diversos dos
movimentos, unificados apenas em aspirações muito generalistas ou ações
pontuais em ocasiões específicas.
Revista Sem Terra:
Principalmente na América Latina, os anos 2000 trouxeram uma série de mudanças
políticas para a região com a eleição de governadores mais progressistas. A
sociedade civil organizada ganhou espaço nos debates políticos, mas os avanços
na garantia dos direitos sociais ainda esperam por uma maior concretização.
Como analisa este fenômeno?
Eric
Hobsbawm: O fator mais positivo para a América Latina é a diminuição efetiva da
influência política e ideológica — e, na América do Sul, também econômica — dos
EUA. Um segundo fator muito importante é o surgimento de governos progressistas
— novamente mais fortes na América do Sul — , inspirados pela grande tradição
da igualdade, fraternidade e liberdade, que comprovadamente está mais viva aí
do que em outras regiões do mundo neste momento.
Estes novos regimes têm se beneficiado de um período de altos preços de seus bens de exportação. Quão profundamente serão afetados pela crise econômica, principalmente o Brasil e a Venezuela,ainda não está claro. Suas políticas têm logrado algumas melhorias sociais genuínas, mas até agora não reduziram significativamente as enormes desigualdades econômicas e sociais de seus países. Esta redução deve permanecer a maior prioridade de governos e movimentos progressistas.
Revista Sem Terra: Diante da
crise civilizatória, do fracasso do capitalismo e da inoperância dos sistemas
multilaterais, que não foram aptos a enfrentar as grandes questões mundiais, as
esquerdas têm se debatido na busca de alternativas; mas nem consensos nem
respostas parecem despontar no horizonte. Haveria, em sua opinião, a
possibilidade real da construção de um novo socialismo, uma nova forma de lidar
com o planeta e sua gente, capaz de enfrentar a hegemonia bélica, econômica e
política do neoliberalismo?
Eric
Hobsbawm: Eu não acredito que exista uma oposição binária simples entre “um
novo socialismo” e a “hegemonia do capitalismo”. Não existe apenas uma forma de
capitalismo. A tentativa de aplicar um modelo único, o “fundamentalismo de
mercado” global anglo-americano, é uma aberração histórica, que potencialmente
colapsou agora e não pode ser reconstruída.
Por outro lado, o mesmo ocorre com a tentativa
de identificar o socialismo unicamente com a economia centralizada planejada
pelo Estado dos períodos soviético e maoísta. Esta também já era (exceto talvez
se nosso século for reviver os períodos temporários de guerra total do século
20).
Depois da atual crise, o capitalismo não vai desaparecer. Vai se ajustar a uma nova era de economias que combinarão atividades econômicas públicas e privadas. Mas o novo tipo de sistemas mistos tem que ir além das várias formas de “capitalismo de bem estar” que dominou as economias desenvolvidas nos trinta anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.
Deve
ser uma economia que priorize a justiça social, uma vida digna para todos e a
realização do que Amaratya Sen chama de potencialidades inerentes aos seres
humanos.
Deve
estar organizada para realizar o que está além das habilidades do mercado dos
caçadores- de-lucro, principalmente para confrontar o grande desafio da
umanidade neste século 21: a crise ambiental global. Se este novo sistema se
comprometer com os dois objetivos, poderá ser aceitável para os socialistas,
independente do nome que lhe dermos.
O maior obstáculo no caminho não é a falta de clareza e concordância entre as esquerdas, mas o fato de que a crise econômica global coincide com uma situação internacional muito perigosa, instável e incerta, que provavelmente não estabelecerá uma nova estabilidade por algum tempo.
Entre
mentes, não há consenso ou ações comuns entre os Estados, cujas políticas são
dominadas por interesses nacionais possivelmente incompatíveis com os interesses
globais.
Revista Sem Terra: Conceitos
como solidariedade, cooperação, tolerância, justiça social, sustentabilidade
ambiental, responsabilidade do consumidor, desenvolvimento sustentável, entre
outros, têm encontrado eco, mesmo de forma ainda frágil, na opinião pública.
Acredita que estes princípios poderão, no futuro, ganhar força e influenciar a
ordem mundial? Vê algum caminho que possa aproximar a humanidade a uma
coabitação harmoniosa?
Eric
Hobsbawm: Os conceitos listados estão mais para slogans do que para programas.
Eles ou ainda precisam ser transformados em ações e agendas (como a redução de
gases de efeito estufa, encorajada ou imposta pelos governos, por exemplo), ou
são subprodutos de situações sociais mais complexas (como “tolerância”, que
existe efetivamente apenas em sociedades que a aceitam ou que estão impedidas
de manter a intolerância).
Eu preferiria pensar na “cooperação” não
apenas como um ideal generalista, mas como uma forma de conduzir as questões
humanas, como as atividades econômicas e de bem estar social.
Me entristece que a cooperação e a organização mútua, que eram um elemento tão importante no socialismo do século 19, desapareceram quase que completamente do horizonte socialista do século 20 – mas felizmente não da agenda do MST. Espero que esta lista de conceitos continue conquistando o apoio e mobilize a opinião pública para pressionar efetivamente os governos.
Me entristece que a cooperação e a organização mútua, que eram um elemento tão importante no socialismo do século 19, desapareceram quase que completamente do horizonte socialista do século 20 – mas felizmente não da agenda do MST. Espero que esta lista de conceitos continue conquistando o apoio e mobilize a opinião pública para pressionar efetivamente os governos.
Não
acredito que a humanidade alcançará um estado de “coabitação harmoniosa” num
futuro próximo. Mas mesmo se nossos ideais atualmente são apenas utopias, é
essencial que homens e mulheres lutem por elas.
Revista Sem Terra: O senhor,
que estudou com profundidade a história do mundo e as relações humanas nos
últimos séculos, o que espera do futuro?
Eric
Hobsbawm: Se a crise ambiental global não for controlada, e o crescimento
populacional estabilizado, as perspectivas são sombrias.
Mesmo
se os efeitos das mudanças climáticas possam ser estabilizados, produzirão
enormes problemas que já são sentidos, como a crescente competição por recursos
hídricos, a desertificação nas zonas tropicais e subtropicais, e a necessidade
de projetos caros de controle de inundações em regiões costeiras.
Também
mudarão o equilíbrio internacional em favor do hemisfério Norte, que tem largas
extensões de terras árticas e subárticas passíveis de serem cultivadas e
industrializadas.
Do ponto de vista econômico, o centro de gravidade do mundo continuará a se mover do Oeste (América do Norte e Europa) para o Sul e o Leste asiático, mas o acúmulo de riquezas ainda possibilitará às populações das velhas regiões capitalistas um padrão de vida muito superior às dos emergentes gigantes asiáticos.
A atual crise econômica global vai terminar,
mas tenho dúvidas se terminará em termos sustentáveis para além de algumas
décadas. Politicamente, o mundo vive uma transição desde o fim da Guerra Fria.
Se tornou mais instável e perigoso, especialmente na região entre Marrocos e
Índia. Um novo equilíbrio internacional entre as potências — os EUA, China, a
União Européia, Índia e Brasil — resumivelmente ocorrerá, o que poderá garantir
um período de relativa estabilidade econômica e política, mas isto não é para
já.
O
que não pode ser previsto é a natureza social e política dos regimes que
emergirão depois da crise.
Aqui as experiências do passado não podem ser aplicadas. O historiador pode falar apenas das circunstâncias herdadas do passado. Como diz Karl Marx: a humanidade faz a sua própria história. Como a fará e com que resultados, muitas vezes inesperados, são questões que ultrapassam o poder de previsão do historiador.
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