Uma capa recente do Estadão resumiu de forma enxuta os
caminhos pelos quais a oposição brasileira pode enveredar para tentar
interromper aos 12 anos o domínio da coalizão encabeçada pelo PT no governo
federal.
Curiosamente, no dia seguinte acompanhei de perto uma conversa
entre quatro senhores de meia idade em São Paulo, a capital brasileira do
antipetismo, na qual um deles argumentou que Fernando Haddad, do PT, foi eleito
novo prefeito da cidade por causa do maior programa de compra de votos já
havido na República, o Bolsa Família.
Provavelmente leitor da Veja, ele também mencionou
entrevista “espírita” dada por Marcos Valério à revista, na qual Lula teria
sido apontado como chefe e mentor do mensalão.
O antipetismo é alimentado pelo pensamento binário do nós contra
eles, pelo salvacionismo militante segundo o qual do combate às saúvas
lulopetistas dependem a Família, a Pátria e a Liberdade.
Criar essa realidade paralela é importante.
Em outras circunstâncias históricas, foi ela que permitiu vender a
ideia de que um governo popular estava sitiado pela população.
Sabe-se hoje, por exemplo, que João Goulart, apeado do poder pelo
golpe cívico-militar de 1964 com suporte dos Estados Unidos, tinha apoio de
grande parcela da população brasileira, conforme demonstram pesquisas feitas na
época pelo Ibope mas nunca divulgadas (por motivos óbvios).
Hoje, o mais coerente partido de oposição do Brasil, a mídia
controlada por meia dúzia de famílias, forma, dissemina e mede o impacto das
opiniões da militância antipetista.
O consórcio midiático, no dizer da Carta Maior, produz a norma, abençoa os que se adequam
a ela (mais recentemente a ministra Gleisi Hoffmann, que colocou seus
interesses particulares de candidata ao governo do Paraná adiante dos do partido
ao qual é filiada) e pune com exílio os que julga “inadequados” (o ministro
Lewandowski, por exemplo).
Diante deste quadro, o Partido dos Trabalhadores, governando em
coalizão, depende periodicamente de vitórias eleitorais como uma espécie de
salvo conduto para enfrentar a barulhenta militância antipetista.
Esta sonha com as imagens da prisão de José Dirceu, mas quer mais:
o ex-presidente Lula é a verdadeira encarnação onde brotam águas turvas,
estelionatos como o Bolsa Família e postes eleitorais que só servem para
disseminar o Mal.
O antipetismo é profundamente antidemocrático, uma vez que julga
corrompidos ou irracionais os eleitores do PT.
Corrompidos pelo “estelionato
eleitoral” do Bolsa Família ou incapazes de resistir à retórica demagoga e
populista do ex-presidente Lula e seus apaniguados.
A mitificação do poder de Lula, como se emanasse de alguém
sobre-humano, é essencial ao antipetismo.
Permite afastar o ex-presidente de
suas raízes históricas, dos movimentos sociais aos quais diz servir,
desconectar Lula de seu papel de agente de transformação social.
O truque da desconexão tem serventia dupla: os antipetistas podem
posar de defensores do Bem sem responder a perguntas inconvenientes.
Quem são? A quem servem? A que classe social pertencem? Qual é seu
projeto político? Quais são suas ideias?
A crença de que vencer eleições, em si, será suficiente para
diminuir o ímpeto antipetista poderá se revelar o mais profundo erro do próprio
PT diante da conjuntura política.
O antipetismo não depende
de votos para existir ou se propagar. Estamos no campo do simbólico, do quase
religioso.
Os quatro senhores do Pacaembu, aos quais aludi acima, estavam
tomados por uma indignação quase religiosa contra Lula e o PT.
Pareciam fazer parte de uma
seita capaz de mobilizar todas as forças, constitucionais ou não, para praticar
o exorcismo que é seu objetivo final. Como aconteceu às vésperas do golpe
cívico-militar de 64, o que são as leis diante do imperativo moral de livrar a
sociedade do Mal?
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