ESTA CRISE VEM DE LONGE. E É FABRICADA!
As origens da crise do Euro
Parte 1
Por Peter Schwarz
25 de fevereiro de 2012
NO SOCIALISMO EUROPEUO artigo que segue baseia-se em um relato feito por Peter Schwarz, membro da comissão editorial do Site Socialista de Interligação Mundial e secretário do Comitê Internacional da Quarta Internacional, em um encontro do Partido da Igualdade Socialista (PSG) ocorrido em Berlim em 7 de janeiro de 2012.
Nos últimos três anos a economia mundial passou por sua pior crise desde os anos 1930. Particularmente a Europa tem sido atingida a ponto de a sobrevivência do Euro e da União Europeia estarem agora em xeque.
Para se entender o significado e as consequências desta crise, não basta estudar suas manifestações econômicas imediatas. Faz-se necessário estudar as relações sociais que estão por trás dessas manifestações.
No geral, a crise é apresentada como resultado do superendividamento de alguns países da União Europeia. Afirma-se que suas dívidas chegaram a um nível em que não podem mais ser pagas ou refinanciadas.
Essa afirmação, no entanto, não se sustenta se olharmos mais de perto. Assim, o endividamento total da União Europeia (cerca de 80% do PIB) está consideravelmente abaixo daquele dos EUA (100%), ou do Japão (220%). A dívida norte-americana aumentou seriamente durante os últimos cinco anos, de menos que 60% para mais que 100%. Porém, os EUA ainda são capazes de financiar sua dívida sem grandes problemas.
Excetuando-se a Grécia (158%), mesmo os países da EU mais afetados pela crise não estão endividados a tal ponto: na Espanha, o nível da dívida nacional é 68%; em Portugal, 102%; na Irlanda, 112%; e na Itália, 120%, aproximadamente o mesmo nível de quando se associou à zona do Euro. As dívidas governamentais alemã (82%), francesa (85%) e britânica (80%) estão no mesmo nível dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE).
Deve haver outras causas para explicar o fato de a Europa ter se tornado o alvo dos mercados financeiros mundiais. Para examinar mais a fundo, é necessário levar em consideração as mudanças sociais que ocorreram nas últimas três décadas.
Polarização social.
Após a Segunda Guerra Mundial, as classes dominantes na Europa occidental foram forçadas a fazer concessões sociais para preservar o sistema capitalista. A responsabilidade do capitalismo em relação ao fascismo e à guerra ainda estava fresca na memória da população e era amplo o apoio ao socialismo.
Mesmo no início dos anos 1970, quando um movimento internacional grevista se desenvolveu no impulso do movimento de direitos civis nos EUA, das revoltas estudantis internacionais e do movimento contra a Guerra do Vietnã, a classe trabalhadora conquistou aumentos salariais e outros direitos consideráveis.
Em 1980, no entanto, a burguesia entrou em uma contraofensiva que continua até os dias de hoje. Esta contraofensiva era fortemente ligada às figuras de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, mas não era confinada aos EUA e Grã-Bretanha.
O presidente americano Ronald Reagan quebrou o sindicato de controladores aéreos (PATCO) na época, enquanto a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher?direcionou seus ataques sobre os mineiros britânicos.
Ambos combinaram seus ataques à classe trabalhadora com uma desregulação dos mercados financeiros e um fortalecimento dos elementos mais parasitários do capital financeiro, à custa da base industrial de seus países.
O resultado foi um aumento da desigualdade social, que havia diminuído consideravelmente no período do pós-guerra. Este desenvolvimento se confirma por inúmeros estudos estatísticos. De 1910 a 1970, a parcela da renda nacional que pertencia aos super-ricos decresceu progressivamente por todo o mundo.
Essa tendência foi revertida dos anos 1970 em diante, sendo particularmente visível nos EUA e Grã-Bretanha, onde a proporção da renda total em mãos do 1% mais rico caiu de 20% em 1910 para 10% em 1950.
Hoje a parcela possuída pelos super-ricos voltou ao nível de 1910.
Durante os últimos 30 anos, a renda dos 20% mais pobres nos EUA caiu 4%, enquanto a renda do 1% mais rico subiu 270%. Durante o mesmo período, a parcela do setor financeiro nos lucros de todo o setor corporativo subiu de 10% para 40%.
Isso demonstra que o aumento na desigualdade social estava intimamente ligado com o aumento do setor financeiro.
Os números acima referem-se a renda. Em termos de riqueza, a polarização social é ainda mais gritante. Hoje 40% dos títulos globais estão nas mão do 1% mais rico da população mundial, 51% com os 2% mais ricos e 85% com os 10% mais ricos. Por sua vez, os 50% mais pobres da população mundial possuem menos de 1% da riqueza mundial.
O mesmo processo de polarização social ocorreu no continente europeu, mas com um certo atraso. Este atraso se expressa na proporção de gasto público do PIB, que chega a cerca de 46% na zona do Euro, bem acima da média de 41% da OCDE.
Isso é motivo por que a Europa, não bastando os cortes salariais e de direitos perpetrados nas décadas recentes, ainda é vista como um paraíso do Estado de bem-estar social pela aristocracia financeira internacional.
A liderança europeia nesse quesito é a França, com uma parcela de 53% do PIB gasta pelo governo. Nos EUA, o número correspondente é de apenas 39%, e no paraíso bancário da Suíça, 33%. A proporção na Alemanha é 43%, pouco acima da média da OCDE.
Devido ao programa Agenda 2010 introduzido pelo governo de Gerard Schröder, essa porcentagem caiu 5% nos últimos dez anos.
Esses números mostram como a Europa está no meio do fogo cruzado dos mercados financeiros internacionais. Para os representantes do capital financeiro, as quantias gastas pelos Estados europeus em pensões, educação, saúde e outros serviços e estruturas públicos são muito altos.
Eles estão determinados a usar a crise para reverter todas as conquistas sociais e direitos democráticos obtidos pelo movimento dos trabalhadores ao longo de seis décadas.
A Grécia serve como campo de teste. Os representantes das altas finanças estão ameaçando o país de falência e impondo um pacote de austeridade após o outro. Salários estão sendo cortados, serviços públicos e direitos sociais estão sendo desmantelados.
Calcula-se que o padrão de vida de um cidadão grego vai diminuir dentro de poucos anos 30%, 40% ou até mesmo 50%. Fora de um período de guerra, isso representa uma queda sem precedentes.
Esta contrarrevolução social não pode ser realizada por meios democráticos. A troika composta pela União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu assumiu o controle do orçamento grego e repôs o governo democraticamente eleito com um governo ilegítimo de tecnocratas.
A fim de intimidar a classe trabalhadora, o partido fascista LAOS foi incluído neste governo.
Os líderes europeus decidiram transformer a Europa inteira em uma zona de austeridade na linha do modelo da Grécia. Este é o significado da decisão do reunião de cúpula da EU de 8/9 de dezembro de 2011: implementar um freio de dívida nas constituições de todos os Estados-membros.
Critérios de legalidade estão sendo introduzidos para forçar governos europeus a implementar políticas rígidas de economia, apesar de toda a oposição popular.
Essa abordagem é herança da desastrosa política implementada pelo governo Brüning na fase final da República de Weimar.
O político do partido de direita Zentrum, Heinrich Brüning, assumiu o posto de chanceler alemão em 1930 em meio a uma crise econômica mundial e descarregou o peso da crise sobre a classe trabalhadora. Ele baseou seu governo sobre a autoridade do presidente, por um lado, e no apoio que recebeu dos Social-Democratas (PSD), do outro.
Brüning governou por meio de decretos emergenciais e contava com o PSD para dar cobertura a ele no Parlamento - como fazem os governos tecnocratas hoje na Grécia e Itália.
O governo Brüning era extremamente instável e durou apenas dois anos. Seu ímpeto por austeridade arruinou a Alemanha economicamente e provocou uma séria luta entre as classes.
Devido à falência política do Partido Comunista, os nacional-socialistas saíram como os vitoriosos dessas lutas. Em 1932, Brüning foi sucedido pelas ditaduras de curta vida dos generais Franz von Papen e Kurt von Schleicher, antes de Adolf Hitler assumir o poder em 1933.
Hoje não são insuficientes os apelos à elite dominante para retomar a consciência e desistir de sua política devastadora de austeridade na linha de Brüning.
Toda a política do Partido de Esquerda Alemão toma essa forma. O partido reivindica uma “economia social de mercado” do período pós-guerra e proclama como modelo de conduta Ludwig Erhard, o ministro da Economia do chanceler conservador Konrad Adenauer.
Um retorno, porém, às políticas econômicas do período pós-guerra é simplesmente tão irreal quanto transformar uma pessoa de 80 anos em uma de 20 anos, uma vez que isso é impossibilitado pelas mudanças descritas acima.
A elite financeira, que emergiu desta redistribuição de renda e riqueza, domina todas as esferas da vida social e econômica e está disposta a defender seus privilégios a qualquer custo.
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