CartaCapital
Roberto Amaral,
Leitor
da seção “O Globo
há cinquenta anos”, recomendo sua leitura por alunos e professores em sala de
aula. Ali, quase diariamente, encontra-se um repositório notável do atraso de
nossa vida republicana, o que nos possibilita conhecer o papel de nossa
imprensa corporativa como eficiente correia de transmissão da ideologia da
Guerra Fria (importando um embate que não nos dizia respeito e trazendo para cá
a visão estadunidense), invariavelmente de costas para os interesses nacionais,
avessa aos interesses populares e sempre atenta aos negócios do grande capital,
principalmente o capital internacional.
os
grandes jornais sempre se opuseram ao nacional e ao popular, e assim combateram
a campanha do “Petróleo é nosso” e ainda hoje rejeitam a Petrobrás.
Escrevo
“nossa imprensa” de forma proposital, pois O
Globo não era, não foi e não é uma exceção nesse servilismo aos
interesses antinacionais e, sobretudo, contrários ao desenvolvimento do país e
a tudo que diga respeito ao povo. O cheiro dos marmiteiros sempre ofendeu ao
olfato sensível dos comensais dosLe
bec fin.
Por
coerência, os grandes jornais sempre se opuseram ao nacional e ao popular, e
assim combateram a campanha do “Petróleo é nosso” e ainda hoje rejeitam a
Petrobrás e se arrepiam, irritadiços, sobressaltados, diante de qualquer
movimento que lhes possa sugerir o menor sintoma de nacionalismo (ou defesa dos
interesses nacionais) que possa pôr em risco o projeto do grande Império
Ou de
defesa do Estado. E sempre que este submerge, quem paga o pato são os
interesses da Nação e dos mais pobres.
Exemplar
do que afirmo é a primeira página da edição do Globo do dia 26 de abril de 1962.
Depois
de anunciar com alegria a “Primeira explosão nuclear no Pacífico”, sem danos ambientais (embora
também diga que “o engenho lançado de um avião que voava a grande altitude,
desencadeou numa força explosiva calculada entre 20.000 e um milhão de
toneladas de TNT”), o jornal condenava a ameaça de aprovação do projeto do
deputado Aarão Steinbruch que instituía o 13º salário: “Os meios financeiros
consideram altamente inflacionária e de consequências desastrosas para a
economia nacional a implantação de um 13º salário”.
A
previsão catastrofista vem no discurso do oráculo do conservadorismo de então:
“Deixando de lado a agricultura, para a qual faltam dados positivos, o
economista Eugênio Gudin calcula em cerca de Cr$ 80 bilhões a sobrecarga que o
aumento representaria no orçamento das empresas”.
Contam
os fatos que o projeto foi aprovado e que sua aplicação acumula, hoje, 50 anos
de sucesso. Nenhuma empresa faliu por conta dele, o comércio ganhou (e ainda
hoje festeja a iniciativa) e começávamos ali a investir no que até os ortodoxos
reconhecem ser a alternativa de nossa economia, a saber, o fortalecimento do
mercado interno.
Na contramão
da História, a mesma imprensa combatia, desde sua instituição, tanto o salário
mínimo (Decreto-Lei n.2 2.162 , de 12 de maio de 1940), quanto seus reajustes
anuais, sempre apontados como inflacionários. Assim, em 1954, o anúncio de um
reajuste de 100%, afinal concedido, provocou grande campanha de imprensa, a
edição de um famoso e subversivo “Memorial dos Coronéis” e, afinal, a demissão
do Ministro do Trabalho, João Goulart. Jamais aumentar salários, jamais regular
a remessa de lucros para o exterior, taxar as grandes fortunas e as grandes
heranças. Jamais estabelecer alíquotas crescentes do Imposto sobre a Renda.
Derrubar
a CPMF e assim desfalcar o orçamento de nada menos que o ministério da Saúde,
ah! isso, sim… Para “destravar a economia”? Não. Seu objetivo era reduzir o
controle das movimentações financeiras.
Lembremo-nos
de que um dos primeiros atos dos golpistas de 1964 foi a revogação da lei de
remessa de lucros…
Agora,
já começa a mesma imprensa a dizer que o combate aos juros altos, aumentando o
crédito ao consumidor, pode constituir-se em agente inflacionário. Todos os
países do mundo podem ter juros mais baixos que o nosso e muitos deles crescer
em índices superiores ao nosso. Mas o Brasil, não.
Esquecem-se os catastrofistas, e esquecem propositalmente,
que nosso país sempre cresceu por força da expansão de seu mercado interno,
responsável, ademais, pela resistência de nossa economia ao abalos exógenos, de
que é exemplo esta última (no sentido de a mais recente) crise do capitalismo
financeiro.
O
panorama internacional é de desaceleração (e sabemos hoje que as potências
europeias não conhecem vacina para a crise, cenário persistente ainda por
muitos anos), principalmente na medida em que insistem na suicida política
recessiva, imposta unilateralmente (contra os países e suas populações) por uma
Alemanha governada pelos interesses dos banqueiros.
A
desaceleração das grandes economias, seja qual for o comportamento da China,
cuja taxa de crescimento tende a decair sob controle (felizmente), indica, para
países como o Brasil, uma queda de suas exportações, principalmente em setores
como a exportação de produtos primários, commodities
e minérios.
Esse
panorama, que assim se descreve desde a aceleração da crise, cobra da economia
brasileira o fortalecimento do mercado consumidor interno. Consumidor, bem
entendido, na medida em que tiver trabalho e renda.
O
fortalecimento desse mercado interno – antigo e permanente pleito da esquerda
brasileira – é uma das mais significativas conquistas do governo Lula. Para tal
objetivo foi importante o Bolsa Família, foram importantíssimas as políticas de
transferências previdenciárias e de assistência social e o apoio à agricultura
familiar.
Mas fundamental foi o aumento de algo como 60%
do salário mínimo. Essas medidas foram responsáveis, em seu conjunto, pela
criação do que se chama de Classe C (ou de uma nova classe C), cujo poder de
compra é equivalente a 12% do PIB.
Essa
política é aprofundada pela presidente Dilma quando, corajosamente, decide
enfrentar a ganância do sistema financeiro insaciável e irresponsável, impondo
uma política de juros consentânea com nossa realidade e as necessidades de
nosso mercado, a saber, aumentando o acesso ao crédito, de que decorre o
aumento do poder de compra do mercado interno, a reativação do comércio e da
indústria, transformando em virtuoso o círculo vicioso da recessão que
aumentaria a recessão.
Nesse
ponto identificamos um salto de qualidade da atual política, na medida em que
se livra dos grilhões do sistema financeiro (parasita por definição) e se
associa ao capital produtivo, construindo novas perspectivas de vida para as
grandes massas, sempre marginalizadas pelos monetaristas de plantão.
Sabe-se,
porém, que a nova política de Dilma, nada obstante sua decisão pessoal, não
seria exequível se o governo não dispusesse do tripé Banco do Brasil-Caixa
Econômica Federal-BNDES, quase privatizados pela insânia neoliberal.
A
política Lula-Dilma, assim, incorpora ao desenvolvimento sua fundamental
dimensão social, o acesso à cidadania das populações mais pobres.
Enquanto
isso, do outro lado do Equador, as economias classicamente desenvolvidas (EUA,
Inglaterra e Japão, para não lembrar Grécia, Irlanda, Espanha e Itália…)
convivem com altas taxas de desemprego, baixíssimas taxas de crescimento
(tendendo para a estagnação) e no limiar da recessão, com seu perverso custo
político, as restrições ao Estado do bem-estar, a xenofobia, as restrições ao
livre-trânsito dos nacionais em suas fronteiras, e, mesmo, a realimentação da
direita, na França com o fortalecimento da herdeira de Le Pen e na Grécia com o
reaparecimento de um arremedo de nazismo, e como tal tanto abjeto quanto
grotesco.
A
combinação de recessão, miséria e desemprego foram sempre o caminho mais curto
para a instauração das tiranias.
De outra
parte, os países que se afastaram do monetarismo e do catecismo neoliberal,
como o Brasil, retomaram o crescimento, aumentaram suas taxas de emprego e até
aqui mantêm sob controle a ameaça da recidiva inflacionária, e, assim, em
situação melhor que os “ricos” a enfrentar a crise global, uma crise do sistema
privado que estourou no colo do setor público.
Por isso
mesmo, cada vez mais consolidamos a opção democrática e começamos a transitar
da democracia formal (política), para o que, num amanhã ainda distante,
poderemos chamar de democracia real
(à falta de denominação mais adequada), aquela que realizará a justiça social.
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