Wilde... Se ele tivesse conhecido o PIG brasileiro!
Deve-se levar
em conta o ano a publicação: 1891.
“(…) Foi um
dia fatal aquele em que o público descobriu que a pena é mais poderosa que as
pedras da rua, e que seu uso pode tornar-se tão agressivo quanto o apedrejamento.
Procurou imediatamente pelo jornalista, o
encontrou e aperfeiçoou, e fez dele seu servo diligente e bem pago. É de
lamentar por ambos.
Atrás das barricadas, muito pode haver de
nobre e heróico. Mas o que há por trás de um artigo de fundo senão preconceito,
estupidez, hipocrisia e disparates?
E esses quatro elementos, quando reunidos,
adquirem uma força assustadora e constituem a nova autoridade.
Antigamente,
os homens tinham a roda de torturas. Hoje tem a imprensa. Isso certamente é um
progresso. Mas ainda é má, injusta e desmoralizante. Alguém – teria sido Burke?
– chamou o Jornalismo de o quarto poder. Isso na época sem dúvida era verdade.
Mas hoje ele é realmente o único poder. Devorou os outros três.
Os Lordes temporais nada dizem, os Lordes
espirituais nada tem a dizer, e a Câmara dos Comuns nada tem a dizer e o diz.
Estamos dominados pelo Jornalismo. Nos Estados Unidos o Presidente reina por
quatro anos e o Jornalismo governa para todo o sempre.
Felizmente, nesse país, o Jornalismo levou sua
autoridade ao extremo mais flagrante e brutal e, como decorrência lógica,
começou a gerar um espírito de revolta: ou diverte ou aborrece as pessoas,
conforme seu temperamento.
Mas deixou de
ser a força real que era. Não é levado a sério. Na Inglaterra, o Jornalismo,
com exceção de alguns poucos exemplos bem conhecidos, não tendo atingido estes
excessos de brutalidade, permanece ainda um fator de grande significado, um
poder realmente notável.
Parece-me descomunal a tirania que ele se
propõe exercer sobre nossas vidas privadas. O fato é que o público tem uma
curiosidade insaciável de conhecer tudo, exceto o que é digno de se conhecer. O
Jornalismo, ciente disso, e com vezos de comerciante, satisfaz suas exigências.
Em séculos
passados, o público expunha as orelhas dos jornalistas no pelourinho.
O que era
horrível. Neste século, os jornalistas ficam de orelha em pé atrás das portas.
O que é ainda pior. O mal é que os jornalistas mais culpados não estão entre
aqueles que escrevem para o que se chama de coluna social.
O dano é causado pelos jornalista sisudos,
graves e circunspectos que trarão, solenemente, como hoje trazem, para diante
dos olhos do público, algum incidente na vida privada de um grande estadista,
de um homem que é assim um líder do pensamento político como criador de força
política.
Convidarão o público a discutir o incidente, a
exercer autoridade no assunto, a externar seus pontos de vista, e não somente a
externá-los, mas a colocá-los em ação, a impô-los àquele homem sobre todos os
outros argumentos, a impor ao partido e à nação dele; convidarão, enfim, o
público a se tornar ridículo, agressivo e perigoso.
A vida particular dos homens ou das mulheres
não deveria ser revelada ao público. Este não tem nada absolutamente nada a ver
com ela.
Na França há
um controle maior nesses assuntos.
Lá não se permite que pormenores dos
julgamentos que se realizam nos tribunais de divórcio sejam divulgados para
entretenimento ou crítica do público.
Tudo que se
lhe permite saber é que houve o divórcio e que foi concedido a pedido de uma ou
outra parte envolvida, ou de ambas.
Na França, com efeito, limitam o jornalista, e
concedem ao artista quase que completa liberdade.
Aqui, concedemos liberdade absoluta ao
jornalista e limitamos inteiramente o artista.
A opinião pública inglesa, por assim dizer,
procura tolher, cercear e submeter o homem que cria o Belo efetivamente, e
compele o jornalista a recontar o factualmente feio, desagradável ou repulsivo;
de modo que temos os mais sisudos jornalistas do mundo e os jornais mais
indecentes.
Não há exagero em se falar em compulsão. Há
positivamente jornalistas que têm verdadeiro prazer em publicar coisas
horríveis, ou que, por serem pobres, vêem nos escândalos uma fonte permanente
de renda.
Mas não tenho
dúvidas de que há outros jornalistas, homens de boa formação e cultura, a quem
realmente desagrada publicar esse tipo de assunto, homens que sabem ser errado
agir assim e, se assim agem, é apenas porque as condições doentias em que
exercem sua profissão os obrigam a atender o público no que o público quer, e a
concorrer com outros jornalistas para que esse atendimento satisfaça o mais
plenamente possível o grosseiro apetite popular.
É uma posição muito degradante para ser
ocupada por qualquer desses homens, e não há dúvida de que a maioria deles
percebe isso sensivelmente.”
(OSCAR WILDE,
A Alma do Homem Sob o Socialismo, págs. 57/59, LP&M, 2003).
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