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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

MOTHER JONES, AVÓ DO SINDICALISMO E ALMA DO SOCIALISMO NORTE AMERICANO!

DO SÍTIO VERMELHO

Hoje, Mother Jones parece ter caído no esquecimento. Mas, no início do século XX, ela foi uma das mulheres mais célebres dos Estados Unidos, simbolizando o vigor do movimento operário numa época em que ainda havia um Partido Socialista no país, pelo qual se apresentavam candidatos respeitados

Por Elliot J. Corn (*)


“A torrente de aplausos eclodiu e se transformou em tumulto quando uma pequena mulher avançou em direção à tribuna. Com o rosto marcado pela idade, poderia ser a avó de qualquer um; porém, tratava-se da avó de centenas de milhares de mineradores... Ao escutá-la falar, compreende-se sua influência sobre essas hordas poliglotas. Ela tinha a força, o espírito e, sobretudo, a chama da indignação. Ela era o furor divino encarnado.”

É assim que o escritor Upton Sinclair, célebre por seu romance sobre os abatedouros de Chicago (The Jungle), descreve Mother Jones. E acrescenta: “Ela contava histórias sem fim de aventuras; das greves lideradas por ela; de seus discursos; das reuniões com os presidentes, governadores e chefes industriais; da prisão e dos campos de prisioneiros.

Ela havia percorrido todo o país e, onde estivesse, o fogo do protesto se propagava no coração dos homens. Sua história é uma verdadeira odisseia de revolta” (1).

As palavras de Sinclair são rigorosamente exatas. Durante 25 anos, essa senhora não teve residência fixa; uma vez, diante do Congresso, explicou: “Da mesma forma que meus sapatos, meu endereço me segue por onde eu for”.

Entre os 60 e os 80 anos, Mother Jones renunciou aos amigos, à família e a seus bens para viver na estrada, com seu povo, e seguir o caminho que as lutas definissem. Esse engajamento indefectível ao lado dos trabalhadores forjou um sentimento de identificação entre os operários: além de ativista sindical ou militante política socialista, ela era considerada a “mãe” dos norte-americanos explorados.

Ao se inteirar de que Mother Jones havia sido detida novamente, um operário da Virgínia Ocidental se dirigiu ao ministro do Trabalho: “Já empunhei minha pistola três vezes durante as guerras industriais deste país e juro diante do Eterno que, se acontecer qualquer coisa com a velha Mãe, não estou nem velho nem frouxo para empunhá-la outra vez”. E A. van Tassel, trabalhador de Ohio, suplicou ao presidente Woodrow Wilson que libertasse o “anjo dos oprimidos”:

“Essa bela heroína do movimento operário não cometeu nenhum crime, mas ela é assassinada lentamente ao ser punida cada vez mais por lutar, por agir, por defender a educação e para que os trabalhadores ganhem consciência de sua verdadeira posição na sociedade”, escreveu (2).

Há muitos mitos ao redor de Mother Jones – e ela mesma contribuiu para a construção de alguns deles. Ela se apresentava como mais velha do que era, com o objetivo de aumentar seu caráter respeitável. Por exemplo, em sua autobiografia publicada em 1925, ela afirma ter nascido em 1° de maio de 1830, dia da festa dos trabalhadores.

Mary Harris – seu verdadeiro nome – veio ao mundo de fato em agosto de 1837, em Cork, Irlanda. Durante a juventude, enfrentou a Grande Fome (1845-1849), o que obrigou sua família a migrar para a América do Norte – mais precisamente para Toronto, onde seu pai encontrou um trabalho de ferroviário e Mary aprendeu os ofícios de costureira e professora.

Na maioridade, deixou a família e se instalou em Michigan para lecionar. Em seguida, foi para Chicago, antes de mudar-se para Memphis (Tennessee), onde se casou com um caldeireiro sindicalista, George Jones.

Dessa união, nasceram quatro filhos, que faleceram junto com o marido, em 1867, durante uma epidemia de febre amarela. Mary entendeu o episódio como uma injustiça social: “As vítimas foram principalmente os pobres e os trabalhadores. Os ricos puderam deixar a cidade ou mudar-se para longe”, constatou.

Viúva, retornou a Chicago, onde trabalhou como costureira durante vinte anos. Nesse período, conheceu militantes políticos e líderes sindicais. A cidade figurava naquele momento como uma das mais radicais dos Estados Unidos, e foi em suas ruas fervilhantes que Mary descobriu seu talento de oradora e sua capacidade de mobilizar multidões.

A invenção de Mary

A dama decidiu então multiplicar seus engajamentos militantes com a organização de cursos de educação política para os trabalhadores sindicalistas, a participação na marcha de desempregados a Washington em 1894, a coordenação da ação de mineradores de antracito na Pensilvânia, entre outras iniciativas. Seu ato mais importante, porém, foi inventar a “Mother Jones”. Mary Harris era uma imigrante irlandesa pobre que fugiu da fome; Mary Jones, esposa de um operário, mãe de família e viúva, vivia na pobreza em Chicago; “Mother Jones” seria a “velha Mãe” da classe operária norte-americana.

Esses novos hábitos a transformaram. A nativa de Cork se recusava a ser chamada de Mary e assinava seu novo nome em todas as cartas. Mesmo os homens de negócios e os presidentes dos Estados Unidos a chamavam dessa forma. Atrás de seus velhos vestidos negros e de sua imagem de mulher virtuosa e sábia, Mother Jones dissimulava um vigor físico e oratório incrível.

Percorria estradas para participar de encontros políticos, dar assistência e proferir discursos que denunciavam as leis sem limites do mercado; também ridicularizava os ricos para que o povo tomasse consciência de sua própria força e da injustiça de sua condição.

Ela se opunha ao direito de voto das mulheres − considerava-o uma mera distração burguesa − e acreditava que a atenção dispensada às questões eleitorais apenas desviava os trabalhadores dos problemas econômicos: “Os sindicatos devem mobilizar suas mulheres para os problemas da indústria. A política não é apenas empregada da indústria. Os plutocratas ocuparam suas mulheres: eles as ocupam com o voto e com a caridade” (3), explica Mother Jones em sua autobiografia.

A “mulher mais perigosa da América”, segundo as palavras de um procurador da Virgínia Ocidental, resistia à polícia, aos detetives particulares, ao Exército; desafiava abertamente as ordens dos juízes, desmoralizava governadores, atacava homens de negócios. E pagou por suas audácias com muitas temporadas na prisão.

Assim que saía, Mother Jones reincidia: incentivava operários a se sindicalizar e a interromper o trabalho, além de organizar manifestações com suas esposas que, munidas de vassouras e esponjas, impediam os fura-greves de penetrar nas minas. Mother Jones também colaborou com os revolucionários mexicanos instalados nos Estados Unidos, os prisioneiros políticos da Califórnia e os siderúrgicos do Centro-Oeste do país.

Entre 1890 e 1910, essa figura do movimento operário se engajou em centenas de greves – algumas particularmente violentas –, principalmente ao lado do Sindicato dos Mineiros (United Mine Workers): greve dos mineiros de cobre de Calumet, dos cervejeiros de Milwaukee, dos trabalhadores têxteis de Chicago, entre outras.

Também organizou, em 1903, na Filadélfia, uma das primeiras manifestações contra o trabalho infantil; participou da fundação do Partido Socialista dos Estados Unidos em 1901 e do sindicato radical Industrial Workers of the World (IWW), em 1905.

No início do século 20, os trabalhadores norte-americanos conheceram tempos difíceis; o carvão ainda era o principal combustível e o trabalho nas minas ocupava 750 mil homens. Esses mineradores recebiam cerca de 400 dólares por ano, muitas vezes em moeda privada timbrada pela empresa, o que os forçava a viver nas vilas fundadas pelo empregador e, portanto, submetidas a seu controle. Os 500 mil siderúrgicos trabalhavam doze horas por dia, seis dias por semana. Milhões de mulheres e crianças se esgotavam nas usinas e ateliês de costura por alguns centavos.

Radicalidade apurada

Mother Jones alertava para essas condições dramáticas de existência. Em 1901, na International Socialist Review, ela descreveu, por exemplo, a vida numa fábrica de algodão: “Crianças de 6 ou 7 anos eram arrancadas da cama às 4h30 da manhã pelo apito do feitor.

O café da manhã era singelo: café preto, um pedaço de pão mergulhado no óleo de algodão no lugar de manteiga. Em seguida, esse exército de servos – tanto os grandes como os pequenos – marchava até os muros da indústria, onde começavam a jornada às 5h30 em meio ao barulho ensurdecedor das máquinas que golpeavam essas jovens vidas durante catorze horas todos os dias”.

No fim da descrição, uma constatação: “Fora a queda completa do sistema capitalista, não vejo solução possível. E acredito que um pai que vota pela perpetuação do capitalismo é tão mortal quanto se empunhasse uma pistola e assassinasse os próprios filhos” (4).

Mother Jones pertence a uma época que viu nascer o socialismo de Eugene Debs e Big Bill Haywood, fundador do IWW; o anarquismo de Emma Goldman; a luta pela libertação de W. E. B. du Bois, o popular jornalista radical de Julius Wayland, editor da publicação socialista “Apelo à razão”.

Perante o peso esmagador das empresas privadas nos Estados Unidos, as ideias desses militantes continuam atuais: mobilizar os norte-americanos por meio dos sindicatos e dos partidos políticos, passando pela rebelião aberta.

É nesse contexto de efervescência social e política que Mother Jones se engajou arduamente na “guerra dos mineradores” da Virgínia Ocidental de 1912-1913 – confronto que deixou pelo menos cinquenta mortos (5). ,Alguns anos mais tarde, no fim da Grande Guerra, sua saúde começou a declinar, assim como suas proezas oratórias.

Ela se dedicou então a escrever sua autobiografia. No dia 1° de maio de 1930, seus numerosos simpatizantes acreditaram festejar o centésimo aniversário de Mother Jones – que tinha, na realidade, 93 anos. Seis meses depois, ela faleceu.

Seus amigos a enterraram no cemitério do Sindicato dos Mineradores em Illinois, ao lado dos “militantes valentes” caídos pela causa dos trabalhadores. Milhares de pessoas se reuniram no local para escutar a oração fúnebre do reverendo John Maguire, e outras dezenas de milhares seguiram a transmissão da cerimônia pela WCKL, a rádio operária de Chicago: “Hoje, em suas magníficas mesas de mogno, bem protegidos em capitais longínquas, os proprietários de minas e os capitalistas suspiram aliviados.

Hoje, nas planícies de Illinois, nas colinas e vales da Pensilvânia e da Virgínia, na Califórnia, Colorado e Colúmbia Britânica, homens fortes e mulheres esgotadas pelo trabalho derramam lágrimas amargas. A razão é a mesma: Mother Jones está morta” (6).

Notas

(1) Upton Sinclair. The coal war [A guerra do carvão]. Boulder: Colorado Associated University Press, 1976.

(2) Para encontrar essas diversas cartas, cf. “General records of the department labor, 1907-1942” [Registro geral do Departamento do Trabalho], Arquivo de Chief Clerk, grupo 174, caixa 24, 16/13, e “Conditions of coal fields in West Virginia” [Condições dos campos de carvão no Oeste da Virgínia], Administração de Arquivos e Registros Nacionais.

(3) Mother Jones. The Autobiography of Mother Jones [A autobiografia de Mother Jones]. Chicago: Charles Kerr, 1925.

(4) Mother Jones. Civilization in Southern mills [Civilização nas fábricas do Sul]. International Socialist Review, Chicago, mar. 1901.

(5) David A. Corbin. Life, Work, and Rebellion in the Coal Fields: The Southern West Virginia Miners, 1880-1922 [Vida, trabalho e rebelião nos campos de carvão: os mineradores do sudoeste da Virgínia]. University of Illinois Press, 1981.

(6) Reverendo John Maguire, Panegyric to Mother Jones [Panegírico a Mother Jones], tirado do boletim semanal da Federação do Trabalho do estado de Illinois, n.16 (37), 1930.


(*) Professor de história na Universidade Brown e autor de Mother Jones: the most dangerous woman in America (Mother Jones: a mulher mais perigosa da América), Wang and Hill, Nova York, 2001.

Fonte: Le Monde Diplomatique

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