DAN BARKER, EX PASTOR AMERICANO.
ACABO DE PERDER A FÉ NA FÉ
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A religião é uma coisa poderosa. Poucos conseguem resistir a seus encantos e poucos verdadeiramente se livram do seu abraço. Ela é a sereia que excita o viajante errante com canções de amor e, uma vez que obtenha sucesso, transforma uma mente em pedra.
É uma armadilha Venusiana. Sua atração é como aquela de drogas ao viciado que, esperando ficar livre e feliz, torna-se preso e miserável.
Mas a parte mais triste da dependência é o fato de que a maioria dos participantes é de vítimas voluntárias. Eles acreditam estar felizes.
Acreditam que a religião manteve suas promessas e não têm o desejo de procurar em outro lugar. Estão profundamente apaixonados pela sua fé e foram cegados por aquele amor - cegados a ponto de estarem preparados para o sacrifício sem fazer perguntas.
Sei que isso é verdade porque fui um dos discípulos de Cristo por dezenove anos, e minha excisão subseqüente foi/é traumaticamente dolorosa.
Meu pai foi um músico profissional durante os anos 40.
Em um de seus concertos, conheceu uma vocalista e continuaram juntos (sorte minha). Eles se casaram e, quando eu era um bebê de colo, ambos encontraram a religião verdadeira.
Meu pai jogou fora sua coleção de gravações originais de Genn Miller (ai!), deu as costas à sua vida "pecadora" e entrou num seminário para tornar-se pastor. Ele acabou não terminando pela dificuldade de criar três garotos. Mas viveu sua fé através de sua família e missas diárias em igrejas locais.
A espiritualidade dos meus pais era tanta que às vezes tinham dificuldade em encontrar uma igreja que preenchesse suas necessidades. Então, procuramos a igreja por muitos anos. Não me lembro de todas as igrejas, mas fomos batistas, metodistas, nazarenos, pentecostais, fundamentalistas, evangélicos, "crentes-na-bíblia" e carismáticos.
Por muitos anos formamos um time musical familiar e nos apresentamos em muitas igrejas do Sul da Califórnia - nada demais - meu pai tocava trombone e rezava para os outros, minha mãe cantava solos, eu tocava piano, meus irmãos tocavam vários instrumentos e nós todos nos unimos para cantar aquelas harmonias evangélicas famosas. Foi uma experiência boa para nós crianças. Minha infância foi repleta de amor, diversão e propósito.
Eu me sentia verdadeiramente privilegiado em ter nascido na "verdade" e com quinze anos me comprometi com uma vida inteira de pregação cristã.
Meu comprometimento durou dezenove anos. Ele deu à minha vida um sentimento de propósito, destino e compleição.
Passei anos viajando pelo México em trabalho missionário - pequenos vilarejos, selvas, desertos, grandes arenas, rádio, televisão, parques, prisões e encontros de rua.
Passei outros anos evangelizando pelos Estados Unidos, ministrando e cantando em igrejas, ruas, de porta em porta, campi de faculdades e onde quer que fosse possível encontrar uma platéia.
Eu era um "executador da palavra e não somente um ouvinte". Estudei numa faculdade cristã, fiz mestrado em Religião/Filosofia, fui ordenado e servi numa capacitação pastoral em três igrejas californianas. Eu pessoalmente levei várias pessoas a Jesus Cristo, e convenci vários jovens a levarem em consideração o serviço cristão em tempo integral.
Servi por um tempo como um bibliotecário para o coral de Kathryn Kuhlman de Los Angeles, observando os "milagres" em primeira mão. Eu mesmo fui até instrumentador em algumas curas.
Por anos dirigi o "King´s Children", um grupo musical cristão local que se apresentava várias vezes, incluindo um breve período num programa cristão de televisão local.
Por quinze anos trabalhei com Manuel Bonilla, o maior artista musical gospel no mundo de língua hispânica. Eu era seu principal produtor/arranjador, e trabalhar com ele me deu a oportunidade de aprender a produzir muitos outros álbuns cristãos, incluindo alguns meus.
Escrevi mais de cem músicas cristãs que são publicadas ou gravadas por vários artistas, e dois dos meus musicais infantis continuam a ser campeões de vendas em todo o mundo. ("Mary Had A Little Lamb", um musical cristão, e "His Fleece Was White as Snow", para a páscoa, ambos publicados e distribuídos pela Manna Music. Pode-se ver o simbolismo religioso: Cristo, o cordeiro de deus que tornou-se o sacrifício final para o pecado).
Eu poderia continuar listando meus feitos cristãos, mas acho que você pode ver que eu era muito sério sobre minha fé, e que sou bem capaz de analisar a religião de dentro para fora.
Na noite da sexta-feira passada dirigi um estudo sobre a bíblia na minha própria casa. A abri a todos os que vieram e anunciei que iria aceitar todos os pontos de vista com o propósito de examinar os documentos com ceticismo ao invés de fé.
As oito pessoas que chegaram (para minha surpresa) eram cristãos que souberam de minha presente situação ateísta e estavam curiosos sobre as minhas intenções.
Meu aliado mais próximo era meu irmão, um agnóstico teista [Darrell agora é um livre-pensador ativista]. Um rapaz, teólogo, informou-me que seu propósito era converter-me de volta à fé.
Foi uma noite divertida e cheia de vida e muita informação foi trocada, mas percebi algo interessante. Eles estavam mais preocupados com meu ateísmo que com a bíblia em si. A discussão manteve-se numa análise da minha conversão ao ateísmo.
Estavam intrigados que alguém que já foi tão fortemente religioso pôde radicalmente "cair fora" e não se sentir envergonhado.
Continuavam procurando por alguma causa profunda e psicológica, um desapontamento escondido, amargura secreta, tentação ou orgulho. Eram como doutores espirituais tentando remover um tumor ou catarata causadora de cegueira.
Um deles sugeriu que eu tinha sido cegado por Satanás - o Diabo estaria tão intimidado com o meu firme testemunho cristão que necessitava neutralizar o inimigo, me tirar da jogada. Isso foi muito lisonjeante, mas foge do assunto.
O assunto em questão é que o mérito de um argumento não depende do caráter de quem fala. Todos os argumentos deveriam ser pesados por si mesmos, baseado nas suas provas e consistências lógicas.
Antes do estudo começar um rapaz disse "Dan, conte-nos o que fez com que perdesse sua fé". Então eu contei.
Eu não perdi minha fé, eu desisti dela propositalmente. A motivação que me levou a ministrar é a mesma que me levou a sair. Eu sempre quis compreender. Mesmo quando criança eu procurei fervorosamente a verdade.
Raramente me contentava em aceitar as coisas sem examiná-las, e o fiz intensamente. Fui um aprendiz muito sedento, um bom estudante, e um bom pregador por causa dessa vontade. Sempre peguei as coisas separadamente e depois as coloquei juntas novamente.
Como fui ensinado e acreditava que a cristandade era a resposta, a única esperança para o homem, dediquei-me a entender tudo o que possivelmente pudesse.
Devorei cada livro, cada sermão, e a bíblia. Rezei e obedeci os ensinamentos da bíblia.
Havia decidido que colocaria todo o meu peso sobre a verdade da escritura.
Essa atitude, tenho certeza, deu a impressão de que eu era um nó abaixo, de que poderia merecer a confiança de líder e autoridade cristã.
Os cristãos estavam contentes em me deixar assumir um lugar de liderança e encarei isso como uma confirmação do meu chamado sagrado.
Mas minha mente não adormeceu.
Em minha sede por conhecimento, não me limitei aos autores cristãos mas curiosamente desejei entender a razão por trás do pensamento não-cristão. Imaginei que a única forma de verdadeiramente captar um assunto era observá-lo de todos os lados.
Se me limitasse a livros cristãos provavelmente seria um cristão hoje. Li filosofia, teologia, ciência e psicologia.
Estudei evolução e história natural. Li Bertrand Russell, Thomas Paine, Ayn Rand, John Dewey e outros.
Primeiramente ri desses pensadores mundiais, mas no final comecei a descobrir fatos intrigantes - fatos que deram descrédito à cristandade. Tentei ignorar esses fatos porque eles não se integravam à minha visão de mundo religiosa.
Por anos passei por um intenso conflito interno. Por outro lado, estava feliz com a direção e sensação de preenchimento da minha vida cristã; e por outro lado tinha dúvidas intelectuais.
A fé e a razão começaram uma guerra dentro de mim.
E eu continuava escalando. Gritava para Deus por respostas, e nenhuma vinha.
Como a mulher que apanha e se mantém com esperança, acreditei que deus um dia viria para mim.
Ele nunca veio.
A única resposta que me havia sido proposta era a fé, e eu gradualmente cresci para odiar o cheiro dessa palavra. Finalmente percebi que a fé é uma saída, um abandono, uma derrota - admissão de que as verdades da religião são impossíveis de se saber através de provas e da razão.
São apenas as afirmações não demonstráveis que requerem a suspensão da razão, e fracas idéias que requerem fé.
Acabo de perder minha fé na fé.
Contradições bíblicas tornaram-se mais e mais discrepantes, apologias mais e mais absurdas e, quando finalmente descartei a fé, as coisas se tornaram mais e mais claras.
Mas não imagine que foi um processo fácil.
É como se rasgasse toda a minha percepção de realidade em pedaços, transformando em frangalhos o tecido do significado e esperança, traindo os valores da existência. Doeu.
E muito. Era como cuspir na minha mãe, ou como jogar um de meus filhos pela janela.
Era sacrilégio. Todas as minhas bases para o pensamento e para os valores tiveram de ser reestruturadas.
Some a esse conflito interno o conflito externo da reputação e você terá uma guerra desestabilizante. Será que realmente eu queria descartar o respeito que tão cuidadosamente havia construído em tantos anos com tantas pessoas importantes?
Posso entender porque as pessoas se mantêm na sua fé.
A fé é confortante.
Ela dá muitas "respostas" às angústias da vida.
Minha vida cristã era relativamente positiva e não vejo um motivo externo/cultural que me fizesse rejeitá-la.
Continuo a dividir muitos dos valores cristãos que fui ensinado (embora não mais os chame de "cristãos" - eles são meus valores); e muitos dos meus amigos próximos são indivíduos cristãos decentes a quem amo e respeito.
Os cristãos sentem profundamente que seu estilo de vida é o melhor possível. Sentem que sua atitude para com o resto do mundo é de amor. Foi assim que me senti.
Eu não podia entender por que as pessoas seriam críticas da cristandade a não ser que fossem internamente motivados por influências satânicas "mundanas". Eu pretendia amar todos os indivíduos enquanto odiava o "pecado" que havia nelas, como Cristo supostamente fez.
(Fomos ensinados de que ele era o maior exemplo de amor).
Era um mistério para mim como alguém poderia ser cego às verdades do evangelho. Afinal, não queremos todos amor, paz, felicidade, esperança e significado da vida?
Cristo era a única resposta, eu achava, e imaginava que todos os não-cristãos seriam levados por outras coisas, como cobiça, egoísmo, orgulho mau, ódio e ciúmes. Encarei a caricatura que a mídia tinha da situação mundial como prova desse fato.
Para mim, transformar-me em uma daquelas criaturas sem deuses era quase impossível, e resisti o quanto pude. (Desde então descobri que a ética não tem nada a ver com religião, pelo menos não numa correlação positiva).
Não houve um ponto específico de virada para mim.
Um dia eu simplesmente percebi que já não era cristão, e alguns meses depois tive a coragem de divulgar tal fato.
Isso foi no último janeiro, seis meses atrás. Desde então tenho sido bombardeado por todos meus amigos e parentes de que gosto.
Eu agradeço sua preocupação e sinceramente espero manter um diálogo aberto.
Por exemplo, enquanto eu digitava este artigo, recebi uma ligação distante de uma antiga amiga cristã que tinha ouvido falar de meu "defeito". É difícil lidar com ligações assim.
Ela estava indignada, e estou certo de que neste momento ela está rezando por mim, ou chamando outros para se juntar a ela na oração. Eu amo essa pessoa, a respeito e espero não causar-lhe nenhuma dor.
Ela me contou que havia lido um artigo que escrevi ao meu jornal local. (Como chegou à região dela é um mistério). Entendo sua preocupação e simpatizo com ela já que sei exatamente o que está pensando.
Eu fui pastor por muitos anos, e acho que tudo isso já foi "limpo" de mim.
Eu gostaria de influenciar outros que possam estar lutando como eu lutei - influenciá-los a ter a coragem de pensar.
A pensar deliberadamente e claramente. A não aceitar nenhum fato sem examiná-lo criticamente e manter-se abertos a perguntas honestas, a onde quer que elas levem
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