Existe algo de novo no ar da crise e não cheira bem. A inação do Banco Central norte-americano na esperada reunião da semana passada, evidencia um engessamento maior. Os gestores da finança global não sabem que rumo seguir. A percepção de um travamento sistêmico, desprovido de solução nos seus próprios termos, desloca o foco da economia para a política. Anulada no seu relevo institucional por governos e partidos majoritariamente ortodoxos e tíbios, a democracia representativa também se apequena. O sentido transformador da política passa a ser jogado nas ruas. O imprevisível amplia seus domínios quando o repertório convencional se esvai. Sucessivas injeções de dinheiro nos mercados hibernam no caixa de bancos e empresas sem ativar o metabolismo da produção e do consumo. Não sairão daí enquanto a incerteza for rainha. Exaurido pelo socorro às finanças e desfibrado por 30 anos de veto neoliberal à taxação da fortuna e do patrimônio, o caixa fiscal dos Estados, por sua vez, está emparedado. Demandas sociais crescentes colidem com um endividamento inexcedível a juros cada vez mais calibrados pela desconfiança. Avulta, sobretudo, a ausência de uma instancia coordenadora para ações de maior contundencia e envergadura. Tudo se passa como se a desregulação dos mercados tivesse alcançado agora o aparato que dava algum arcabouço de coerência à supremacia financeira na etapa atual do capitalismo. Organismos outrora estruturadores dessa hegemonia rastejam agora uma esférica desimportancia. Sintomático dessa metamorfose foi a trinca observada na referida reunião do Fed. Ante o imobilismo resignado dos presidentes de BCs de todo o mundo, Chistine Lagarde, a nova diretora-geral do Fundo, acentuou a fragilidade global e cobrou 'visão,coragem e timming': "Estamos vendo a recuperação frágil perder o ritmo. Portanto nós devemos agir agora",conclamou à platéia bovina. Nesse mesmo dia, o premiê espanhol, José Luis Zapatero, ultimava um acordo politico com forças da direita para incluir na Constituição a renuncia à ação fiscal do Estado: 0,4% passa a ser teto do déficit público num país com 20% de desemprego; 45% da juventude sem opção de trabalho e um endividamento privado de 175% do PIB. De onde a economia espanhola vai tirar forças para se reerguer? Demonstrações semelhantes de obscurantismo fiscal para 'acalmar os mercados' sucedem-se em outros países. A inexistência de um arcabouço mais geral de racionalidade redunda assim num salve-se quem puder autofágico. O conjunto assume contornos de uma gigantesca Trípoli financeira. Facções armadas perambulam sem lei, trocam disparos, saqueiam, matam e morrem sem qualquer preocupação com o bem-estar e a sobrevivência do conjunto. Na Trípoli real, como na metafórica, o passo seguinte da história pode ser assustador. |
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Carta Maior; Domingo, 28/08/ 2011
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