O GRÃO TUCANATO ANDA MAIS PERDIDO QUE CACHORRO QUE CAIU DA MUDANÇA.
O futuro segundo os pais do Real - Por Maria Cristina Fernandes
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pedia que os palestrantes se ativessem ao tempo que lhes estava destinado para não atrasar o cronograma do seminário: "Alguns aqui trabalham. Poucos".
À sua volta estava toda a árvore genealógica do Plano Real: Pedro Malan, Pérsio Arida, Edmar Bacha, André Lara Resende e Gustavo Franco. Às 10h da manhã de ontem contavam-se poucos assalariados no pequeno auditório do Instituto Fernando Henrique Cardoso. Além de Luís Stuhlberger (CSHG), Bernard Mencier (ex-BNP Paribas), Felipe Reischtul (ex-Petrobras), Celso Lafer (Fapesp), Roberto Teixeira da Costa (Bovespa), alguns intelectuais - José Arthur Gianotti, Bóris Fausto, Maria Hermínia Tavares de Almeida e Lourdes Sola - misturavam-se a uma maioria de silentes espectadores do que os pais do Real teriam a dizer sobre o futuro da economia brasileira.
Os palestrantes, convidados a discutir por que a transição da economia brasileira restava incompleta, convergiram para o diagnóstico já conhecido de que o país gasta demais e que, por isso, arrisca-se a perder oportunidade histórica de reduzir a taxa de juros. Pérsio Arida, o único a falar sem fazer uso de gráficos ou tabelas, foi o que mais se aproximou de um programa a ser oferecido à oposição, ainda que de viabilidade política duvidosa.
Se o FGTS tutela o trabalhador, o FAT, na sua opinião, pressiona a taxa de juros - "A Selic precisa ser mais alta para remunerá-lo" - e, como direciona o crédito, acaba criando distorções na economia.
Da plateia, Gianotti comentou que faltava uma oposição para propor mudanças. Fernando Henrique contestou-o dizendo que não faltava oposição mas compreensão do que estava se passando. "É isso que estamos fazendo aqui. Temos que entender que eles [o governo] estão financiando empresário com dinheiro do trabalhador".
Reichstul perguntou por que na época em que o PSDB foi governo - e Arida presidente do BNDES - não se promoveu uma reforma das fontes de financiamento do banco. Ficou sem resposta.
Maria Hermínia perguntou o que fazer, por exemplo, com investimentos em saneamento, por exemplo, financiados, em grande parte, com recursos do BNDES. Arida respondeu-lhe com uma história de quando presidiu o Banco Central. Disse que ao chegar lá encontrou um imposto que os bancos pagavam pela emissão de cheque sem fundo, o funcheque. Esse imposto era repassado aos juros. Resolveu zerá-lo.
Percebeu aí que seus recursos eram canalizados ao MEC e repassados às gráficas que imprimiam livros escolares e financiavam campanhas. "Parte do dinheiro efetivamente virava livro escolar. É o melhor arranjo? Não, certamente não é o mais eficiente".
"Aprendi com vocês o que é bem público", replicou Maria Hermínia, numa referência ao conceito econômico de bens universalmente usufruídos sem dispêndio. A professora chamava atenção para incompatibilidades entre a eficiência da economia e o bem estar social.
Um pouco antes Malan tinha dito que a crise financeira mundial explicitara os limites do Estado de bem estar social promovido por meio do gasto público: "Os que tinham a Europa como modelo vão precisar rever seus conceitos".
Gianotti não conseguiu conter a impaciência: "Desde o último artigo que li de Gustavo Franco tive a impressão de que vocês descreem da impossibilidade de se prover o welfare state. Mas o que pretendem fazer com essa gente?".
Gustavo Franco fez-se de desentendido: "A Lei de Responsabilidade Fiscal cuida do limite da dívida. E quem cuida do limite do gasto? Não é o welfare state que está em questão, mas a necessidade de se compatibilizar receita e despesa".
Fernando Henrique tentou fazer a ponte. Situou o buraco em que está metido o PSDB ao explicar que, ao contrário do que acontecia na época da inflação, as pessoas não percebem mudanças na política econômica como necessárias porque a conta quem vai pagar são as gerações futuras e não quem hoje está usufruindo do crescimento.
O ex-ministro da Fazenda fez uma crítica indireta à presidente Dilma Rousseff com quem Fernando Henrique tem feito gestos públicos de aproximação. Malan apontava os equívocos na visão de que o Brasil, dados os crescentes vínculos de sua economia com a Ásia e o fortalecimento do mercado interno, estaria blindado da crise mundial sem cortar gastos. E lembrou o momento em que, no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro Antonio Palocci, o atual ministro Paulo Bernardo e outros ex-titulares da fazenda como Delfim Netto, subscreveram proposta de limite ao crescimento do gasto.
"A ideia foi considerada rudimentar", lamentou Malan, referindo-se ao termo cunhado pela então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff sobre o plano.
Ao concluir a mesa, o diretor do IFHC, Sérgio Fausto, reportou o impasse político, que chamou de 'situação aflitiva', para levar à rua as propostas daquele debate: "O movimento pelo Real aconteceu num momento de desarticulação do sistema político. Agora está tudo articulado".
Fernando Henrique reconheceu que as mudanças gestadas pelos formuladores do PSDB ainda carecem de viabilidade política porque o governo hoje está alinhavado social e empresarialmente: "Há acertos lícitos (BNDES) e ilícitos (corrupção) no atual arranjo. A economia cresce e há uma base sólida de cumplicidade. A conjuntura não é favorável a mudanças".
Fausto revelou ter convidado todos os líderes da oposição. Ninguém foi. Além dos aliados de Dilma, alguém tem que se ocupar da desarticulação.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras no Valor Econômico.
De saber que estas merdas ainda estão ai, é o fim do mundo.
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