" Os homens mais sérios têm temporadas de vícios."
João do Rio
Histórico:
Durante o século XIX e o início do século XX, a cocaína era vendida em farmácias como anestésico local e como tônico para dar mais energia. No século XX tornou-se uma substância ilícita,
devido aos efeitos danosos causados em seus usuários.
É conhecida como a “planta divina dos Incas” e tem uma história cheia de mistérios e fascínio. As mais antigas folhas de coca, de que temos informações, foram descobertas no sítio arqueológico de Huaca Prieta (2500 – 1800 a.C.), na costa norte do Peru.
PELAS OCORRÊNCIAS DE TRÂNSITO, OCORRIDAS NAS MADRUGADAS DA ZONA SUL DO RIO DE JANEIRO E REGISTRADAS PELA POLÍCIA MILITAR, ENTENDO QUE OS "VÍCIOS SOCIAES ELEGANTES" DA ELITE CARIOCA QUE OS DRS. PERNAMBUCO FILHO E ADAUTO BOTELHO, RELATAM NO LIVRO DE SUAS AUTORIAS, A RESPEITO DOS HÁBITOS DO INÍCIO DO SÉCULO 20 ATÉ OS ANOS 40, COMPLETAMENTE LIBERADOS À ÉPOCA, CONTINUAM A SEREM PRATICADOS HOJE, MESMO QUE PROIBIDOS.
LIVRO NA EDIÇÃO DE 1937, FALA DOS VÍCIOS DA ELITE CARIOCA. ESCRITO PELO DR. PERNAMBUCO FILHO E DR. ADAUTO BOTELHO, ABORDA SOBRE A PERMISSIVIDADE QUE A ELITE CARIOCA CONVIVIA COM OS OPIÁCEOS E CIGARROS INDIOS(MACONHA), NO FINAL DO SÉCULO 19 E MEADOS DO SÉCULO 20.
Na última década do século XIX e a primeira do XX, havia nos jornais espantosa
quantidade de anúncios sobre as substâncias entorpecentes que serão criminalizadas nas
décadas seguintes (morfina, ópio, cocaína).
Uma queda na recorrência dessa propaganda é perceptível no decorrer da década de 1910 e na década seguinte, quando a primeira lei de drogas é instaurada.
Ocorre então uma modificação na abordagem desta propaganda: ao invés de destacar as substâncias psicoativas presentes nas fórmulas dos compostos
anunciados, ela recorre à estratégia inversa e destaca o fato de tais substâncias não estarem mais presentes.
Com o advento de outras mídias e a permanência do alto graude analfabetismo da população, boa parte desta propaganda migrou para o rádio – por
volta dos anos 1930 – e em seguida migrou para uma propaganda dirigida especificamente aos médicos – nos anos 1940 – cujo surgimento deve-se a condenação.
da automedicação e como tentativa de contê-la
status de aceitação,1.
Nos primeiros anos do século XX, contexto de majoritário enaltecimento destas
substâncias, não lhes eram dirigidas considerações desabonadoras de maior repercussão
ou capaz de deflagrar algum conflito ou debate sobre o tema. O
crença e prestígio usufruído pelas drogas nesses anos consegue manter seus opositores
com rasa ressonância na sociedade muito em razão de não se saber ao certo como
substituí-las nas prescrições terapêuticas de então
À medida que avançavam os anos estatus sofria severos abalos, novos significados sociais iam surgindo em15. Na verdade, estava ao alcance dos farmacêuticos,
esse
substituição àqueles. Alguns elementos responsáveis pela redefinição destas
significações sobre a matéria estão expostos a seguir.
No final do século XIX, os novos compostos químicos trazidos pelos métodos
sofisticados da nova tecnologia industrial farmacêutica, sobretudo a refinação e o alto
grau de pureza das substâncias, avalizavam o estreitamento da confiabilidade dos
usuários nos produtos consumidos
droguistas e médicos uma grande variedade de drogas cujo exercício de manipulação e
formulação de "compostos secretos", cuja qualidade e aplicação eram duvidosas e dos
quais pouco ou nada sabiam as autoridades sanitárias, além do preparo clandestino de
outros tantos compostos mais ou menos comuns à época porque de fácil adulteração.
Atestada e incentivada pela propaganda dos próprios médicos nos periódicos de então oconsumo de medicamentos facultava a consulta ao especialista e abria um canal para a
automedicação e a iatrogenia. "- (...) Eu mesmo concordaria com o Prates que te chama velhaco, se não viesse
encontrar o nosso Rodolfo, agora, às onze da noite, por tamanha intempérie metido num trem
de subúrbio com o ar desvairado...
- Eu tenho o ar desvairado?
- absolutamente desvairado.
- Vê-se?
- É claro. Pobre amigo! Então sofrestes muito? Conta lá. Estás pálido, suando apesar da
temperatura fria, e com um olhar tão estranho, tão esquisito. Parece que bebeste e que choraste.
(...) Como tremes, criatura de Deus! Estás doente? (...) Mas que é isto Rodolfo?
- Que é isto! É o fim, meu bom amigo, é o meu fim. Não há quem não tenha o seu
vício, a sua tara, a sua brecha. Eu tenho um vício que é positivamente a loucura. Luto, resisto,
grito, debato-me, não quero, não quero, mas o vício vem vindo a rir, toma-me a mão faz-me
inconsciente, apodera-se de mim. Estou em crise. Lembras-te da Jeanne Drambreuil quando se
picava com morfina? Lembras-te do João Guedes quando nos convidava para as fumeries de
ópio? Sabiam ambos que acabavam a vida e não podiam resistir. Eu quero resistir e não posso.
Estás a conversar com um homem que se sente doido.- Tomas morfina, agora? Foi o desgosto decerto..." Esta passagem tem mais a dizer do que a banalização das conseqüências físicas
advindas do uso da morfina e do ópio. Nela está fortemente colocada a idéia do vício
como responsável pela degeneração física tanto quanto da personalidade por causa da
perda do domínio da vontade e do autocontrole.
O personagem, ao dizer: "Luto, resisto,
(...) não quero, mas o vício vem, faz-me inconsciente, apodera-se de mim", refere-se a
qualquer tipo de vício.
Neste ponto, ele apresenta uma representação já normativa do
termo/conceito vício: uma categoria de entendimento a partir da qual o personagem
desenvolve suas impressões do mundo. Em seguida, ele faz referência a duas outras
pessoas, uma viciada em morfina, a outra em ópio. Pela sua narrativa, a rendição destes
diante do vício também era evidente:
"sabiam ambos que acabavam a vida e não podiam
resistir".
O leitor do conto desconhece, até este momento da narrativa,
personagem e só o saberá um pouco adiante, mas sobressai nesta passagem a alusão
feita pelo personagem aos outros viciados pondo-se em situação de igualdade com eles.
No fundo, não importa
diz não haver distinção de natureza física e moral entre um vício e outro. O que denigre
sua humanidade é o vício mesmo, pela incapacidade de resistir à compulsiva repetição
de uma paixão mórbida.
As "manias" do início do século, doença crônica que comprometia o
desempenho da vontade de um sujeito, caracterizada pela repetição compulsiva de um
hábito qualquer, o incapacitava de fazer parte de uma sociedade normativa. O vício era
entendido pelo personagem como uma forma de prazer no limiar dos suplícios,qual o vício dono que o personagem é viciado, porque sua escala de valores lhe Heloísa Cunha. Os Melhores Contos de João do Rio. Ed. Global, SP, 1990. p. 16.conforme demonstra outra passagem da fala do mesmo personagem onde, enfim, revela
seu vício:"mas contive-me. Contive-me dias, meses, um longo tempo, com pavor do que poderia
acontecer. O desejo, porém, ficou, cresceu, brotou, enraizou-se na minha pobre alma. (...)
Agora a grande vontade era de espetá-los, de enterrar-lhes longos alfinetes, de cosê-los
devagarinho, a picadas. E junto de Clotilde, por mais compridas que trouxesse as mangas, eu
via esses braços nus como na primeira noite, via sua forma frágil e suave, sentia a finura da pele
e imaginava o súbito estremeção quando pudesse enterrar o primeiro alfinete, escolhia posições,
compunha o prazer diante daquele susto de carne que havia de sentir". Esvaziada de qualquer conotação moralista e sem compor hierarquias
apreciativas pela equivalência a que submete os vícios em questão, o autor patologizou
o personagem analogamente aos viciados em morfina e ópio citados atrás quando nesta
última passagem o fez evidenciar seu estado em circunstância absolutamente inusitada.
Mas até que ponto este entendimento do autor é recorrente entre seus contemporâneos?
Não se trata de um cronista do consenso, dizem seus estudiosos, mas de João do Rio,
"um homem", segundo Rodrigues, "no limiar de dois tempos" porque enfatiza "as
relações psicológicas e sociais dos vários agentes da realidade do início do século"
"São assim individuos physica e moralmente desequilibrados, morbidamente
predispóstos, nevrosados, dados ás imaginações doentias estravagantes a que os inglezes dão o
nome de: ‘touched with pensiveness’.
As desordens de affectividade, de iniciativa, de ethica, de moral, corollário da
intensidade do vicio, são apenas o exagero da condição peculiar aos toxicomanos porque antes
do vicio, acreditamos, já elles tinham frouxas essas qualidades." (p. 23)O vício assim entendido inocenta tanto o sujeito acometido quanto as
substâncias que viciam, porque a razão do vício preexiste nos indivíduos e somente se
tornarão toxicômanos aqueles biologicamente predispostos.
O maníaco é o sujeito
É possível percebê-la manifesta no excesso de uma infinidade de gostos e não somente no dedicado às substâncias entorpecentes.
A toxicomania seria apenas um tipo de morbidez resultante das ações impulsivas, uma variável das paixões desenfreadas de qualquer espécie. "Elisa molemente sentou-se ao lado da Elsa, que bebia mais champagne, sentia
afrontações e torcia os dedos da apaixonada por baixo da mesa. Era o desespero. Mimi Gonzaga
assegurou-se que ela recebera uma carta da mãe logo pela manhã. No fim, Elsa, pálida e
ardente, dizia:
Via-se a repugnância, a raiva em que ela fazia a cena de lesbos - pobre rapariga sem inversões e
estetismos a safo... A ceia acabou em espetáculo, e acabaria com todos os espectadores, se
algumas mulheres com ciúmes dos seus senhores - ah! Como elas são idiotas! - não os tivessem
levados. Elsa às duas e meia fez erguer-se a Elisa, calada e misteriosamente fria. ‘Vão tomar
morfina?’ interrogou um dos assistentes, ‘cuidado, hein?’ Elsa deu de ombros, sorriu, saiu
arrastando a outra." Que funções representativas poderiam ter o enunciado "Vão tomar morfina?
Cuidado, hein?" neste contexto? Parece óbvio o registro da idéia de cautela exigida pela
situação. Em plena década de 1910, já eram de domínio público os riscos decorrentes do
uso abusivo da morfina.
As propagandas de medicamentos nos jornais chamavam a
atenção para a ausência de certas substâncias entorpecentes ou causadoras de efeitos
colaterais graves em suas fórmulas. Isto implica em admitir que, na década de 1910, o
significado do enunciado em questão já estava institucionalizado. Mas o mais
importante - nos dois trechos destacados - é entender o contexto de realização dessas
representações e quais as significações assumidas.
Na trama, vêem-se duas mulheres na condição de amantes. O narrador, ao dizer a
respeito "A ceia acabou em espetáculo...", intenciona traduzir a medida do incomum da
situação à época. O uso de morfina pelas protagonistas parece coroar vidas já tão"espetaculares".
Mas porque a associação feita pelo narrador entre a condição
homossexual e o uso da morfina?
Apesar do estilo provocativo, reconhecido pelos
estudiosos do cronista, neste caso, a sobreposição de atributos conduz à caracterização
do personagem marginal típico em gênero urbano e moderno.
A vida boêmia certamente
congregava tipos exóticos, alguns folclóricos, outros insólitos. Mas o autor compôs
estirpes de personagens com acentuado grau de particularidades se comparados aos
"homens comuns".
Carregado excessivamente na composição, o personagem padrão de
um gênero literário torna-se inverossímil servindo tão somente à reafirmação de
estereótipos como o dos heróis épicos, as donzelas românticas ou os bandidos sem
caráter. Assim entendido, o mundo aparece descrito numa uniformidade de modelos
onde as pertinências e não pertinências são evidentes e dadas de antemão.
Os personagens simbolizam categorias de entendimentos através das quais se participa do
mundo que se julga conhecer.
O uso de entorpecentes estaria, neste caso, circunscrito àqueles que preenchessem determinados padrões de comportamentos anômicos, sendo
tão próprios de alguns quanto impróprios de outros. E neste caso, a produção literária
não estaria tão longe da ação policial em seus preceitos.
por um mesmo estigma anti-social não carregou demais nos tons de caracterização
das personagens? Porta-voz da vida noturna e boêmia carioca do início do século XX,
João do Rio conduzia o leitor por um Rio de Janeiro sempre inusitado e chocante, eAcaso o narrador ao encobrilastalvez se deva a situações como essas o fato de seus opositores dizê-lo caricatural.
Em
seus livros
da sociedade carioca que são exímias larapias; senhoras de família humilde que se
prostituem sem razão aparente; influentes homens da política que mantêm jovens
amantes; ou seja, tipos que bem podem apresentar-se como matizações de personagens
do gênero urbano-marginal, mantendo acentuado o caráter impactante, conforme
apreciava o gosto literário do autor.
Entretanto, o que interessa destacar é o fato do
mundo boêmio, conforme passagem descrita no conto acima, manifestar rejeição ao
comportamento de alguns elementos que dele participa mesmo não se tratando de
comportamentos criminosos ou ilegais.
Ao que parece, os critérios de interdição, neste
caso, foram ditados pelo senso moral do grupo, não pela norma de justiça.
Retomando o primeiro caso, o do sujeito viciado em alfinetar sua noiva, ele
também representava um maníaco típico, adepto não dos entorpecentes, mas do
sadomasoquismo – a perversão do erotismo. Antes da manifestação do vício, tratava-se
de um rapaz de boa família com um futuro brilhante à sua frente e uma noiva devota que
lhe daria um lar feliz.
A compulsão e a culpa, no entanto, o impediram de levar uma
vida normal; viu-se então compelido ao submundo e toda sorte de misérias. Está
claramente colocada a idéia da fraqueza moral, da debilidade da vontade neste maníaco.
Em nominação própria daqueles dias, tratava-se de um doente. Do ponto de vista da
moral, o sentimento de culpa associado à miserável condição de sua humanidade
atenuavam a imputação da punição pelos danos causados; do ponto de vista da justiça, a
falta de domínio da vontade atenuava o delito.
Não caberia a ele o castigo por seus atos,
mas ser restituído à condição humana através de tratamento para tentativa de resgate do
equilíbrio emocional e de sua sanidade.
O novo
estatuto do alcoolizado como doente seria o responsável pela redução das ocorrências policiais. Situação inversa
ocorre com a estatística dos pacientes internos por abuso de álcool. Entre 1926 e 1929 o número salta de registro zero
para 474 casos de internação neste último ano, correspondendo a 76,4% do total de internações. p. 75 e 102.- Bretas mostra como entre 1909 e 1925, os números de registros de ocorrência por embriaguez passaram da24 - João do Rio, p. 84.
onde fingiram ser fornecedores de ópio de Bombain para penetrar nas casas chinesas:flaneur e seu guia seguem então com destino ao Beco dos ferreiros "miserável e sujo""- Chego de Londres, com um quilo de ópio, bom ópio.
- Ópio? ... Nós compramos em farmácia ... rua São Pedro ...
(...)- Não tem dinheiro ... não tem dineiro ... faz mal.
(...)
- Como se chama você?
- Tchang ... Afonso.
- Quanto pode fumar de ópio?
- Só fuma em casa ... um bocadinho só ... faz mal! Quanto pode fumar? Duzentas
gramas, pouquinho ... Não tem dinheiro."
- Este é o primeiro quadro, o comêço. Os chins preparam-se para a intoxicação.
Nenhum dêles tinha uma hora de cachimbo. Agora, porém, em outros lugares devem ter
chegado ao embrutecimento, à excitação e ao sonho. Tenho duas casas no meu
na rua da Misericórdia, onde os celestes se espancam, jogando o monte com os beiços rubros de
mastigar folhas de betel, e à rua D. manoel nº 72, onde as
Ouço com assombro, duvidando intimamente dêsse fervilhar de vício, de ninguém ainda
suspeitado. (...)
- Os moços desejam?...
- É você o encarregado?
- Para servir os moços.
- Desejamos os chins.
- Ah! Isso, lá em cima, sala da frente. Os porcos estão se opiando."
Demonstrar que as
"sociedade" o autor já feito em seu conto "Dentro da Noite", citado atrás. Mas o que
chama atenção aqui é a indicação do crescimento deste hábito na cidade em período de
intensos debates internacionais e às vésperas da determinação da proibição do comércio
destas substâncias. O fumo de ópio não chegou a espalhar-se pela cidade ou a angariar
grande soma de adeptos.
Ao que parece, esta forma de consumo do ópio permaneceu
própria dos grupos chineses restrita às zonas da cidade habitada por esses imigrantes.
Além disso, o fumo de ópio nunca fez parte das abordagens terapêuticas da medicina
formal. Apenas seus alcalóides tinham aproveitamento com este fim. Este aspecto
ressalta uma questão bastante importante nas considerações aqui feitas.
O consumo das
drogas entorpecentes escapava das prescrições médicas não somente por causa da
reiterada busca de bem-estar creditada a elas, mas também pelo padrão de lazer boêmio
carioca descrito por João do Rio à semelhança das cidades européias como Paris e
Viena. Além do mais, não encontrou resistência numa cultura onde o hábito dafumeries também eram freqüentadas por pessoas daautomedicação era secular e a prática da prescrição das "receitas medicinais de família"
indicadas tanto para as mais graves doenças quanto para as indisposições corriqueiras
era tradição tão comum quanto as procedentes dos curandeiros. O sofrimento, sobretudo
os não físicos, e a dor têm nas drogas entorpecentes um grande aliado.
O consumo de drogas em larga escala é um fenômeno das sociedades modernas,
mas desde tempos remotos o homem faz uso de substâncias que de alguma maneira
alteram seu estado de espírito pelo aumento da capacidade perceptiva e sensorial.
Exacerbadas, essas qualidades passam a ser instrumentais privilegiados de ligação com
o mundo circundante. Supondo desvelar o que poucos conseguem, esse homem
perscrutador opera uma racionalização às avessas do consumo destas substâncias:
renovada a auto-estima, fortalecido na coragem e inflado de força ele age em meios que
pensa controlar.
De fato, nunca antes o homem fora tão exigido pelo meio social como
quando da formação do mundo industrializado. Desse homem moderno foi estipulado
ser ele de compleição vigorosa, ágil, astuta, minuciosa, porque o ritmo fabril assim o
exigia. As substâncias entorpecentes, hoje criminalizadas, exponenciavam naquele
contexto essas características e a medicina as ofereciam como benefício.
Pode-se pensar na equivalência que existe nos estado de compulsão e na
produção em série, na alienação e no torpor, na alucinação e na vertigem urbana, no
prazer contemplativo do fonógrafo, da fotografia e do cinematógrafo.
O mundo industrializado e capitalista vicia e todos os homens são viciáveis. João do Rio
perseguia na noite boêmia carioca seus personagens exóticos de tão viciado que era nos
prazeres que lhe permitiam a modernidade.25 - Ibidem, p. 85-89.booknotes, umafumeries tomam proporções infernais.25
anterior de desordeiro um outro, o de insano, moralmente incapacitado do exercício da
sociabilidade por herança genética, resultado da degeneração racial propiciada pela
miscigenação.
Fazendo mais uma etnografia das drogas na cidade do Rio de Janeiro, João do
Rio descreve o ópio como vício dos pobres em oposição aos vícios da elite. As , que despertava impulsos.
Dentro da Noite e Histórias de Gente Alegre, o autor descreve jovens damas Estigmatizada pelo atavismo hereditário lombrosiano
violentos, aos poucos o vício provocado por substâncias narcotizantes passou a ser
tratado como doença de natureza psicológica uma vez que também afetava o domínio da
vontade. Como conseqüência, a embriaguez etílica foi deixando de constar das
estatísticas de delitos contra a ordem pública e engrossando as estatísticas de internação
compulsória de uso de drogas
A visão patologizada do bêbado assomou ao estigmafumeriesde ópio ocorriam em ambientes insalubres, sujos, fétidos. Os chineses, que trouxeram o
ópio para a cidade, são descritos, em 1908, pelo autor em seu conto "Visões D’Ópio",
como o grupo que ordinariamente usava ópio na cidade e as
como seções privadas ainda pouco conhecidas da população em geral:fumeries são caracterizadas"- Sim, dizia-me o amigo com quem eu estava, o éter é um vício que nos evola, um
vício da aristocracia. Eu conheço outros mais brutais - o ópio, o desespêro do ópio.
- Mas aqui?
- Aqui. Nunca frequentou os chins das ruas da cidade velha (...)? Os chineses são o
resto da famosa imigração, vendem peixe na praia e vivem entre a rua da Misericórdia e a rua
D. Manoel. Às cinco da tarde deixam o trabalho e metem-se em casa para as tremendasfumeries
22
estavam no próprio criminoso, devendo ele ser estudado e não o crime, uma categoria abstrata. Em seu trabalho
Homem Criminoso
pessoas que possuem características biopsíquicas específicas e, baseado na antropometria ou na medição meticulosa
dos crânios e faces dos criminosos, criou um protótipo destas característica, o "criminoso nato". Essa espécie de
laboratório reunia características fora dos padrões de desenvolvimento físico e psíquico considerados normais.
Assim, os estrábicos, os epiléticos, os que tinham orelhas de abano eram considerados criminosos em potencial.
Como tudo isso representava uma morfologia de anatomias patológicas, os loucos, os alienados e os insanos ainda
não inventariados eram agregados a esta definição. Entre nós, as idéias lombrosianas foram defendidas pela escola
Nina Rodrigues.. Quer vê-los agora? Tenho a indicação de quatro ou cinco." 24- Cesare Lombroso é o fundador da Antropologia Criminal no século XIX. Para ele, as causas do ato criminosoO, de 1876, Lombroso desenvolveu a tese de que o crime é cometido com maior freqüência por23
segunda posição - perdendo apenas para a genérica ocorrência de "desordem" - para nenhum registro.‘viens, mon chéri, que je te baise’ e mordia raivosamente o pescoço da Elisa.20
Considere-se esta outra passagem tirada do conto "História de Gente Alegre", do
mesmo autor:potencialmente capaz de desenvolver taras em razão de sua deformação hereditária: um desequilíbrio moral decorrente da degeneração.
Recorrendo ao discurso médico, vamos encontrar um inventário da toxicomania
muito próximo ao do exposto por João do Rio na fala dos
médicos Pedro Pernambuco Filho e Adauto Botelho os quais, em 1924, publicaram um livro sobre as toxicomaniasmais comuns na sociedade carioca com o emblemático título de
"Vícios Sociais
Elegantes": Dependência química causada pela prescrição médica.
A eficácia nos resultados de cura apregoada pelos médicos e farmacêuticos tinha
suporte no valor "mágico" dos medicamentos. Símbolo máximo das estratégias
terapêuticas da modernidade, os remédios e seus princípios ativos agregavam novos
valores ao antigo recurso do rito de cura porque agora se apresentava como totalmente
asséptico, indolor e eficiente.
O universo da medicina associava instrumentos
misteriosos e remédios mágicos – elementos presentes nos ritos de cura desde tempos
remotos – a um ambiente claro, branco, depurado de todos os males – uma sedutora
forma de encantamento.
Nesse imaginário, a preocupação com os malefícios decorrentes do uso desses
medicamentos persistiu sufocada pela euforia reinante advinda de um desempenho
inicial eficiente, sinalizando para o sucesso da medicina.
Isolada nos institutos de
pesquisa acadêmicos e sem ganhar ressonância na sociedade, a denúncia do vício e da
dependência química só sairia do confinamento no decorrer do século XX.
Contudo, o
reconhecimento do problema se fez enviesado pelos novos conceitos da Antropologia
Criminal e da Psiquiatria. João do Rio registrou a associação, como bem demonstra o
trecho que se segue do conto "Dentro da Noite", de 1910:
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